quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A venda da saúde através de panfletos

abril/2009
A distribuição de panfletos pelas ruas é um recurso muito usado na divulgação de inúmeros serviços no centro de Belo Horizonte, mas infringe o Código de posturas da cidade. Além de se enquadrarem nessa violação e também transgredirem o Código de Ética dos Odontologistas, a panfletagem de folhetos e cartões de visitas de clínicas e consultórios, que faz qualquer menção a valores, é considerada agressiva para a promoção da área da saúde e desvaloriza a profissão dos dentistas. Essa é a opinião do presidente do Sindicato dos Odontologistas de Minas Gerais (Somge), Luciano Eloi Santos, e de outros profissionais da área.

Edwin Despinoy (à esquerda) e Luciano Eloi Santos (à direita)
Segundo o presidente do Somge, um dos problemas é o modo como a divulgação dos serviços odontológicos está sendo feita, uma vez que esse tipo de propaganda vulgariza a imagem do cirurgião dentista. Ele lembra que perto de um de seus consultórios, localizado no centro da capital, o mesmo homem que grita ‘corte de cabelo!', logo em seguida anuncia 'dentista!’, como se não houvesse nenhuma distinção entre os dois serviços. Já o diretor do Somge, Edwin Despinoy, relata já ter visto até propaganda que prometia aceitar vale-transporte como forma de pagamento. Porém, tanto Luciano quanto Edwin concordam que, para além dessas questões, há uma maior: a citação de valores nas propagandas, algo proibido pelo CRO.
O presidente da seção Minas Gerais da Associação Brasileira de Odontologia, Carlos Augusto Jayme Machado, concorda que há uma variedade muito grande de anúncios sendo feitos simultaneamente aos dos dentistas, e cita as propagandas de compra e venda de ouro e de salões de beleza. “Acho que não há essa necessidade dessa panfletagem da forma como ela é feita. Se você for fazer uma divulgação muito bem feita, com respeito, uma coisa muito correta, isso gera um custo muito alto”. E se não for para fazer um material publicitário mais elaborado para ser distribuído, é preferível não fazer nenhum, como afirmam as dentistas Danielle Lopes e Carolina Vieira, ambas formadas há cinco anos. Segundo elas, a dona da clínica onde trabalham preferiu não optar por esse recurso e a divulgação do local é feita através do famoso “boca-a-boca” e da distribuição de cartões de visitas (que não tem todas as especificações exigidas pelo CRO) entre os clientes, amigos e parentes. As profissionais sabem que a concorrência e a panfletagem de outros lugares são grandes. Mas elas não se importam com isso e contam que atendem até com mais carinho por saberem que a maioria das pessoas que vão lá, vão por indicações. Só na Rua Tamoios, no quarteirão entre Avenida Amazonas e Rua Curitiba, onde as dentistas trabalham, existem mais quatro clínicas.

As profissionais tem ciência que o ato de panfletar é proibido e anti-ético e afirmam que os donos de muitas clínicas também sabem, mas “nem ligam” de pagar as multas cobradas pela prefeitura.

Segundo o responsável pelo Setor de Fiscalização do CRO, Antônio Augusto de Barros, por causa de um panfleto, o profissional, em um primeiro momento, é autuado e, caso continue a agir dessa forma, pode até ser suspenso de suas atividades por infração ética. Mesmo quando o responsável pela panfletagem é o dono da clínica, como observa o presidente do Somge. As punições profissionais são decididas pelo conselho, de acordo com cada tipo de transgressão.

Edwin lembra que a relação profissional / cliente deve ser baseada na confiança e não no custo do serviço, já que a odontologia não é uma atividade comercial. É uma profissão da área da saúde. De acordo com ele, quando há a referência ou alusão a valores através de frases como “orçamento grátis” e “preços ao seu alcance” ou até mesmo a explicitação de formas de pagamento, a clínica ou o consultório passam a vender exclusivamente o preço e não da qualificação profissional dos odontólogos que lá trabalham.

Para o diretor, ao oferecer um tratamento com um custo inferior, alguns procedimentos podem ser negligenciados na qualidade do serviço, no controle, na assistência e até no relacionamento com o próprio paciente. Edwin afirma que muitas vezes, os pacientes dessas clínicas são pessoas de baixo poder aquisitivo e podem ser iludidos pelo preço e se submeter a determinado tipo de tratamento que muitas vezes decorre de uma exploração de um empresário, que não é um cirurgião-dentista, e só está interessado no dinheiro, explica.

Edwin ainda acrescenta que diversos donos de clínicas impõem métodos de trabalho que, muitas vezes, se confrontam com as normas técnicas e científicas preconizadas. “Cumprir normas de biossegurança, utilizar equipamentos compatíveis com o tipo de tratamento custa dinheiro e, muitas vezes, os preços cobrados são inferiores ao custo desses materiais e manutenção dos equipamentos”, destaca.

Segundo Antônio Augusto, a referência a preços é considerada uma infração ética, seja ela feita em panfletos, folders e até em livros de planos de saúde, porque existe um valor mínimo para fazer cada procedimento odontológico. “Quando o preço é muito baixo, muitas vezes, não há condições básicas de salubridade no local. Mas não podemos tirar o direito de escolha do cidadão e impedi-lo de fazer uma extração a R$ 5”, exemplifica.

De fato, segundo Pedro Campos Coutinho, gerente da Vigilância Sanitária, muitas vistorias realizadas em clínicas ocorrem devido a denúncias referentes ao espaço físico desses locais, à esterilização dos instrumentos de trabalho. Em 2008, a Vigilância realizou 664 vistorias em clínicas e consultórios, e oito interdições dentre esses estabelecimentos. Duas clínicas não voltaram a funcionar devido ao descumprimento dos requisitos do órgão municipal.

O presidente do Somge ainda ressalta que em diversas clínicas as relações de trabalho são muito frágeis e algumas contratações são feitas apenas verbalmente. Luciano Eloi Santos destaca que a força de trabalho nesses locais é tão pouco valorizada, que o cirurgião dentista chega a receber apenas, em muitos casos, 25% do valor pago pelo tratamento completo. Mesmo assim, excelentes dentistas vão trabalhar nessas clínicas devido ao grande número de profissionais no mercado. Isso explica o crescente surgimento dessas clínicas.

As dentistas Carolina e Danielle recebem, hoje, essa porcentagem onde trabalham e contam que em alguns lugares do centro da capital, o valor pago gira entre 23% a 25%. Danielle explica que clínicas localizadas em bairros costumam pagar 40%. “Já trabalhei em uma Clínica no Carlos Prates, mas não compensava. Eu geralmente atendia apenas um paciente por dia”, lembra.

Hoje, existem cerca de 900 consultórios e 214 clínicas localizados no centro de Belo Horizonte, cadastrados na Vigilância Sanitária. Nesse contexto, a panfletagem torna-se uma tendência crescente, devido ao aumento anual da competitividade do mercado de trabalho. Segundo dados do Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais (CRO-MG), só em 2008, formaram-se 250 profissionais na capital mineira, onde existem cinco faculdades de odontologia. Em todo o estado são 22.

Luciano afirma que essas clínicas também absorvem um grande número de recém-formados. Segundo ele, poucos profissionais saem da faculdade e vão direto para um consultório de melhor qualidade. Passar por essas clínicas é um primeiro passo no começo da carreira de diversos profissionais. “Lá eles aprimoram o ofício, aumentam a vivência profissional e, muitas vezes, se deparam com a situação de ter que fazer um procedimento que nunca realizaram antes”, explica.

Dentistas e panfleteiros

A dentista Flávia Baroni exerce sua profissão há três meses e concorda que nessas clínicas, consideradas populares, se aprende muito. Segundo ela, trabalhar nesses locais é uma boa opção para quem se forma e não quer ficar parado.

Recém-graduada, ela atende em uma clínica na Rua São Paulo, centro de Belo Horizonte. Desde o segundo semestre do ano passado, a divulgação dos procedimentos odontológicos realizados é feita através de panfletos. Flávia explica que esse tipo de propaganda é responsável por grande parte dos clientes e que, quando o panfleteiro não trabalha, o movimento cai bastante. Nos anúncios dessa clínica, não é divulgado preço, apenas o telefone e o endereço do estabelecimento junto a um calendário. Diariamente, passam por lá, em média nove pessoas de diversas classes sociais, sendo que a maior parte delas é de classe média.

Ela reconhece que há muita concorrência entre clínicas que oferecem serviços odontológicos na região. Para ter um diferencial, a dentista afirma proporcionar a seus pacientes conforto, uso de materiais confiáveis e oferecer preços acessíveis para satisfazer e conquistar sua clientela. Entretanto, ela descorda daqueles profissionais que cobram valores muito abaixo do normal e acredita que isso se desdobra em uma desvalorização da profissão. “Não acho correto cobrar R$ 5 em uma extração de dentes, esse procedimento dá trabalho”, explica. Flávia costuma cobrar a partir de R$ 30 para realizar esse serviço.

A dentista Bárbara Santos de Andrade, formada há um ano, acredita que se existem pessoas que optam por fazer anúncios com preços é porque deve haver algum tipo de retorno. Mas ela não acha essa atitude correta. “Não somos cabeleireiros que cobram por qualquer corte R$ 20. É nosso conhecimento e profissão que estão em jogo”. Bárbara não gosta da panfletagem de uma forma em geral, e também acredita que esse meio de divulgação desvaloriza um pouco o dentista, mas o considera necessário para atrair clientes. A clínica onde ela trabalha, panfleta desde que abriu, há um ano e meio.

Na opinião do também recém-formado em odontologia, João Marcelo Mendes Campos, muitas vezes, a qualidade desses serviços prestados pode estar de acordo com o valor do cobrado pelo tratamento. E também de acordo com o local de trabalho do dentista como lembra Bárbara. Ela admite sentir vergonha do nível de algumas clínicas que já viu e não entende como existem profissionais que aceitam trabalhar em “lugares pesados”, em meio a situações precárias.

Quanto aos panfletos, João acredita que, de fato, esse recurso chama a atenção das pessoas, principalmente porque nem sempre elas se dispõem a fazer pesquisas de valores.
O local onde ele trabalha também se localiza no centro de BH e emprega duas adolescentes para distribuir os anúncios. Jéssica Oliveira, 17 anos, trabalha há três meses para essa clínica na parte da manhã e ganha R$ 95 por semana. O valor aumenta quando a garota se veste com uma fantasia e dente e anda pelas ruas de do centro da capital durante algumas horas. Como outros panfleteiros, Jéssica além de distribuir, grita o anúncio e leva os interessados até a clínica para a qual trabalha. Normalmente, ela acompanha, diariamente, de sete a oito pessoas. Em dias de muito movimento, esse número cresce para 20.

Mas o panfleteiro Rodrigo Santos Silva, 29, afirma que, recentemente, há pouca procura pelos consultórios odontológicos. “Ninguém está tendo mais dinheiro para nada. Hoje, só consigo arranjar umas três pessoas”, constata. O panfleteiro começou nessa atividade há mais ou menos quatro meses para complementar o valor que recebe do auxílio seguro-desemprego.

Os panfletos

Segundo o CRO, os estabelecimentos podem adotar esse item para fazer sua exposição e tornarem-se mais conhecidos, desde que enviem os textos antes para que o conselho de ética da profissão faça uma avaliação do material. O presidente do Somge, Luciano Eloi, ainda acrescenta que os panfletos devem ter nome correto da clínica, o nome completo de seu responsável técnico e dos cirurgiões-dentistas que lá trabalham, acompanhados pelo número de registro no CRO de cada um.

Se houver a divulgação de qualquer tipo especialidade odontológica, é de dever da clínica ter um profissional especialista para aquele procedimento e não alguém que apenas saiba realizar o trabalho em questão. No entanto, os panfletos não podem popularizar os termos dos procedimentos odontológicos. Se a clínica oferece a colocação de 'aparelhos fixos e móveis', o anúncio deve conter o termo correto, ortodontia. Se for 'tratamento de gengiva', periodontia.

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