quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Os bastidores da Rua Guaicurus

nov/2008

Elas atendem de 20 a 50 clientes por dia e cobram valores que variam de R$ 7 a R$ 600. Jovens, velhos, casados, solteiros, pobres ou ricos. Pouco importa quem esteja pagando. À medida que o tempo passa, algumas profissionais do sexo que trabalham nos hotéis da Rua Guaicurus, de 8h às 23h, no centro de Belo Horizonte, vão aprendendo a se abstrair de suas realidades e não ver na frente homens, mas apenas o dinheiro deles.

Essa é a forma que muitas garotas de programa encontram para lidar com as inúmeras pressões psicológicas do dia-a-dia. Segundo a piauiense Thaís, 28 anos, existem muitos homens que tratam mal as meninas dessa profissão. Alguns as chamam de “piranhas”, falam que elas estão no lugar certo e que não merecem nada na vida. Ela já foi agredida duas vezes, sendo que a mais recente agressão aconteceu porque ela chamou o gerente do hotel para um cliente que não queria pagar o programa. O homem se irritou com essa situação e deu um soco no nariz de Thaís.

Geralmente, as meninas que trabalham nessa profissão tiram um tempo para descansar um pouco a cabeça, já que elas têm muitos momentos de baixo astral e baixa auto-estima. “Nós somos muito carentes, temos muitos homens, mas no final da noite e nas horas difíceis não temos ninguém”, confessa a profissional. Ainda segundo Thaís, por vezes, a questão religiosa também pesa. Ela não se considera católica, porém, acredita em Deus, e às vezes não se sente bem por estar trabalhando em “algo errado”. “Mas eu sei que não é porque estamos aqui, que Deus não vai olhar para a gente”, completa.

Casos de profissionais do sexo que constroem algo na vida são raros. Thaís até arrisca afirmar que a cada 100 meninas, apenas uma consegue alguma coisa, já que o restante se entrega às drogas. “Para entrar nessa vida, você tem que ter um objetivo”, ressalta. Ela começou a fazer programas há quatro anos, quando se encontrava numa situação financeira muito difícil após o término de um casamento de nove anos. Haviam grandes possibilidades de ela perder a guarda do filho, com então oito meses, já que o juiz que cuidava do caso, entendia que, como Thaís não tinha nenhuma fonte de renda – ela nunca trabalhou –, ela não seria capaz de sustentar o bebê. “Dei um jeito de conseguir que meus pais cuidassem dele para mim. No mesmo dia que mandei meu filho de avião de São Paulo (onde morava com o ex-marido) para o Piauí com a aeromoça, comecei nessa vida”, recorda.



No início, ela trabalhava numa boate paulista e chorava muito após cada programa que fazia. “É horrível se deitar com um homem que você nunca viu”, confessa. Era a cafetina que levava os homens até Thaís, já que ela ainda era um pouco tímida para tomar alguma iniciativa. Segundo a profissional, com o tempo ela se acostumou, mas gostar “dessa vida”, definitivamente não é o caso. “Nós gostamos do dinheiro. Hoje, eu não vejo um homem na minha frente, só vejo dinheiro”, afirma.

A profissional que trabalha no Novo Hotel há nove meses recebe em média 50 clientes por dia e cobra a partir de R$ 15 (programas de cinco minutos), mas a maioria de seus programas varia de R$ 50 a R$ 100. Thaís conta que tem muitos clientes fixos e que, em geral, eles pagam mais. “Tenho um cliente que sempre me paga R$ 600 para eu ficar com ele durante duas horas”, explica. Segundo ela, os que têm melhores condições financeiras justificam que dão mais dinheiro porque têm dó das garotas de programa.

Com o dinheiro que conseguiu na profissão, Thaís construiu uma casa no valor de R$ 80 mil no Piauí, que ficou pronta há três meses e onde atualmente seus pais moram. “Todo esse tempo, investi meu dinheiro na casa. Ela é a casa dos meus sonhos, tudo o que eu sempre quis está lá”, revela. Para a família, a profissional diz trabalhar em um bingo aqui em Belo Horizonte, mas a mãe e a irmã desconfiam dessa versão e, com carinho, dão conselhos à moça para ela se cuidar. Thaís acredita que as duas a compreendem pelo fato de ser mãe solteira e de só investir o dinheiro em “coisas boas”.

A profissional é uma morena de pele bem cuidada, com aproximadamente 1,65m de altura, longos e bem tratados cabelos pretos e traços delicados, que também investe em sua aparência e afirma ainda ter planos de construir em sua cidade (ela não revelou qual era) mais algumas casas para alugar. Thaís ressalta que enquanto for nova e bonita será garota de programa e que nunca pensou em deixar de ser. Ela tem muito medo de voltar à vida de miséria que tinha na infância ao lado de seus sete irmãos.

Entretanto, esse não é o caso da carioca Priscila, 28. Encarar situações inusitadas, ter que estar sempre de bom humor, quando se está com inúmeros problemas pessoais, ouvir insultos e até ter que dar conselhos para “homens velhos” são coisas que ela já não suporta. Como conseguiu há pouco tempo quitar uma casa no valor de R$ 40 mil em sua cidade natal e agora quer apenas comprar um carro, a profissional só está trabalhando 10 dias por mês. Mesmo assim, esse tempo que passa aqui em Belo Horizonte já a deixa muito nervosa, ansiosa para voltar ao Rio de Janeiro. “Acho que aqui no hotel deveria ter uma psicóloga para nós. A coisa aqui é pesada e o nosso psicológico pira. Há algum tempo o dono encaminhou uma das meninas para o psiquiatra porque ela já tinha surtado”, salienta.

No Novo Hotel, há a possibilidade de a hóspede ter exclusividade de um quarto reservado só para ela, como é o caso de Priscila e Thaís. Quando elas viajam, têm a opção de manter os quartos trancados, mas como pagariam do mesmo jeito a diária no período que estivessem fora, preferem deixar que a gerência alugue-os para outras meninas. A maioria dos quartos desse hotel tem as paredes bem pintadas de uma cor no tom palha, possuem camas de casal de madeira, pequenos banheiros azulejados, e, por vezes, alguns móveis como guarda-roupas e criados. A decoração varia de acordo com a hóspede, mas, geralmente, é clara e jovial.

O simples fato de ser observada, o que não é muito difícil, já está deixando-a com muita raiva. Priscila, uma moça morena escura que sempre está de biquíni, chama a atenção com seus 1,85m de altura, pernas grossas e quadris largos.



Segundo Priscila, o problema é que muitos homens param a sua frente, olham-na com o olhar parado e a boca meio aberta, mas não fazem nada. “Isso me irrita muito e às vezes até fico achando que tem algo de errado comigo”, relata. Embora esteja há cinco anos em Belo Horizonte, a carioca diz não ter se acostumado com esse jeito dos mineiros e com a quantidade de clientes que aparecem com pedidos, no mínimo, estranhos.

Priscila também trabalha no Novo Hotel e cobra de R$ 15 (programas de 15 minutos, envolvendo sexo oral e vaginal em uma posição) a R$ 100, e lembra de casos como o de um homem que já pagou R$ 30 para ela apenas “montar de cavalinho” enquanto ele engatinhava pelo chão e, logo em seguida, urinar na boca dele. Outra situação foi a de um cliente que antes de chegar ao hotel, passava numa loja de lingerie para comprar calcinha e sutiã rosa e sempre pedia para que ela “o comesse”, introduzindo o dedo no ânus dele. Segundo a profissional, ela também já recebeu clientes que relinchavam durante a relação sexual, outros que pediam para que ela batesse neles e outros que insistiam para fazer sexo sem camisinha e ofereciam mais dinheiro por isso. “Isso eu não faço de jeito nenhum. Da última vez que teve uma cara que queria isso falei com ele: ‘vai ver você tem AIDS e está de sacanagem, infectando todo mundo. Coitada da sua namorada que, no mínimo, também já está com o vírus porque foi você que o passou”, relembra.

Mas o que mais surpreende Priscila é a quantidade de homens que querem sexo anal e gostam de consolo – artigo erótico no formato de um pênis. “Para mim a maioria aqui é viado encubado e tem medo de pedir essas coisas para as esposas com medo de elas e a família descobrirem”, constata. Priscila só sentiu a necessidade de comprar esse objeto quando veio para BH, depois de nove meses trabalhando no Rio de Janeiro sem ter nenhum caso desse tipo. Por essa e por tantas outras, Priscila já resolveu que trabalhará apenas até o final de 2009 e depois fará um curso para ser cabeleireira. “Tenho que viver. Afinal de contas, estou nova e tenho um bebê gigante de 14 anos para criar”, enfatiza.

Do outro lado da rua

De fato, com R$ 7 não dá para fazer muitas coisas. Em geral, é possível comprar dois pacotes de feijão ou um de arroz (cinco quilos), desde que esses sejam de marcas populares. Às vezes, dois quilos de carne de frango, mas certamente consegue-se pagar o programa de algumas profissionais do sexo que trabalham no Hotel Magnífico, também localizado na Rua Guaicurus.

Geralmente, por essa quantia, o programa dura 15 minutos e elas fazem o “serviço básico” que consiste em sexo em duas posições mais sexo oral. Essas profissionais sabem que o preço que cobram é baixo, mas reconhecem também que se aumentarem o valor, não terão clientes. “Na porta, sempre falo que o preço é R$ 7, mas depois eu peço ‘Ô amor, me dá dezinho’”, revela Cláudia, 33 anos.



Ela recebe em média 20 homens por dia e seus programas variam de R$ 7 a R$ 50, sendo que os clientes mais antigos pagam de R$ 20 a R$ 50, e alguns têm a possibilidade se fazer sexo sem camisinha com ela. Cláudia, uma simpática loira de batom vermelho, um pouco acima do peso, que sempre está de salto e se veste com uma camisola preta semi-transparente, tem medo de engravidar de novo, afinal, já tem quatro filhos – de 13, 4 e 2 anos e outro de 6 meses –, todos do mesmo pai, e já está difícil sustentá-los sozinha. Ela foi casada durante cinco anos, e nesse período, abandonou a profissão, iniciada quando era uma moça de 19 anos. Na época, Cláudia começou ao ver que as amigas que se prostituiam ganhavam muito dinheiro. “Mas como eu sempre gastei demais, era difícil economizar alguma coisa”, lembra. Hoje, Cláudia não sabe bem como será o seu futuro, mas tem o desejo de um dia largar sua atual profissão e montar um negócio próprio, tendo assim, seu primeiro emprego. “Gosto muito de cozinhar e quero fazer alguma coisa nesse ramo. Sei fazer feijoada, lasanha, macarronada… De tudo um pouco”, revela.

Cláudia faz parte das 52 mulheres que ficam hospedadas em quartos de no máximo 2m² com paredes encardidas, pintadas de metade branco, metade verde, que possuem um bidê, uma pequena pia e uma cama de alvenaria. Em geral, há apenas uma mesinha de madeira onde, por vezes, fica uma televisão bem pequena e poucos objetos pessoais, mas nada que esboce a existência de uma decoração. Pode-se entender que o aspecto “velho” e mal cuidado do local reflete a própria vida das profissionais que lá trabalham. Mulheres, em sua maioria com mais de 35 anos, geralmente acima do peso, e com pouca preocupação com a aparência. No Hotel Magnífico, as profissionais do sexo costumam andar pelos corredores, geralmente de short e sutiã ou com roupas curtas e bem velhas, e às vezes conversar com algumas colegas de profissão. Lá, os clientes também são de diversas classes sociais, mas o predomínio é de homens de baixa renda.

A paulista Rubi, 32, afirma que essa ausência de “luxo” é pouca percebida pelos clientes. “Os homens quando chegam aqui querem “se conhecer” e receber um bom trato. Eles não reparam nesses detalhes”, conta a morena de 1,60m e de cabelos lisos e pretos que vão até a cintura, que geralmente se veste de biquíni. Segundo ela, muitos homens que recebe, mal sabem como “pegar uma mulher” e o que exatamente gostam que façam com eles na cama. “Tem uns que ficam parados. Daí eu falo ‘Gatinho, programa por telepatia não vale’”, brinca.

Rubi, geralmente, cobra a partir de R$ 8 por cada programa e para atrair clientes, sempre que perguntam o seu preço, ela divulga primeiro: “deixo pegar nos peitos, faço oral, vaginal e mais quatro posições”. Mesmo por essa quantia, ainda há homens que pedem para que ela deixe por R$ 7. Ao que parece, ela não se importa com isso, já que aceita a oferta desde que o dinheiro esteja “trocadinho”. Segundo ela, “a mulher tem que ter um objetivo” e o seu já está bem traçado. Depois de três anos nessa profissão, em Janeiro de 2009, ela deixará de ser garota de programa. “Só entrei nessa vida porque havia perdido o meu emprego em São Paulo e estava passando muita dificuldade, mas isso não é o que eu quero para sempre”, enfatiza. E como é que ela se vê daqui a cinco anos? “Como uma grande empresária, só não sei ainda fazendo o quê (risos)”, afirma.


*** Os nomes citados são fictícios

——————————–//—————————–//————————–

Número de profissionais do sexo no hipercentro de BH


Segundo a presidente da associação, Maria dos Anjos Pereira Brandão, a zona boêmia da capital “acabou” porque, além de a diária dos hotéis ser cara, muitas profissionais caíram na real e viram que essa é uma profissão que desvaloriza a mulher. Dos Anjos, como é mais conhecida, afirma que diversas meninas desistiram da profissão, outras se casaram, foram embora, e estão tentando construir a vida de outra forma.

Novembro de 2008: cerca de 1200 mulheres trabalham espalhadas em 21 hotéis
Novembro de 2007: Mais de 2000 mulheres trabalhavam em 22 hotéis

Um comentário: